Ver Para Ter
Eu sofro de sonhar-acordadísse. No meu pensamento ja vivi mil vidas, travei quinhentas batalhas e conquistei um milhão de Impérios. Mas pôr mãos à obra é mais complicado. Não é que me faltem boas intenções ou faculdades físicas e mentais, tem a ver com falta de visão. Parece que a minha miopia atinge também a minha mente.
Sonhar, acreditar ou mesmo pensar, em nada se parecem com ver. A visualização é uma técnica utilizada por grandes nomes do desporto, cinema e milionários em geral, que defendem que devemos imergir na imagem mental do futuro que ambicionamos como se já lá estivessemos, ao ponto de sentir as diferentes texturas, os diversos cheiros, o peso dos objectos, a sensação de termos conseguido. Segundo defendem, as visualizações têm o poder de manifestar as intenções em realidade, através do poder da atracção, mas não nos cabe a nós preocuparmo-nos com os "comos" ou os "quandos", apenas com o resultado pretendido. Algumas das ferramentas que ajudam a manter esta sensação de motivação e foco diários são as afirmações positivas, frases motivacionais penduradas na casa de banho, no frigorifíco, no carro, ou a concepção de vision boards.
Há uns meses atrás começei um vision board - comprei cartolina numa cor que me agrada e me transmite calma e confiança, recortei imagens e frases de revistas sobre os temas que me inspiram, e coloquei tudo em cima da mesa da sala. Munida com um tubo de cola e muita imaginação, pus-me ao trabalho! Ajustei as imagens de uma forma que me agradava; depois duvidei de mim mesma e remexi tudo outra vez. Entretanto era hora de fazer o jantar e por isso desmanchei aquilo tudo para poder pôr a mesa. No dia seguinte, cheia de motivação, voltei à carga! Mas parecia que nenhuma das minhas conjugações me satisfazia o suficiente para me comprometer a começar a aplicar cola no papel. A vida tomou conta de me fazer atirar aquela tralha toda para gavetas dispersas e a cartolina, já meio amachucada, foi parar a uma prateleira na despensa.
Já nem me lembrava deste malfadado projecto até que hoje mexi numa das gavetas e de lá saltaram imagens dum futuro passado. Como é dia de ano novo e é oficialmente o dia das Esperanças Renovadas peguei na cangalhada toda e desatei a colar. Sem pensar muito nisso. Guiada pela intuição. Sem planear demasiado de antemão. Onde me parecia bem, colava e seguia. E assim fui preenchendo a cartolina como se estivesse a fazer um puzzle ao qual faltava a caixa com a imagem ilustrativa. A certa altura, vi que algumas peças não estavam bem encaixadas, ou melhor, elas serviam nos espaços, mas não pintavam a imagem que eu queria. Com delicadeza, puxei um cantinho do recorte e consegui descolá-lo. Algumas cores e marcas tinham sido transferidas para a cartolina mas não faz mal, faz parte do processo. Alguns dos recortes que planeei usar acabaram por não ter lugar, e também não faz mal.
Afinal, toda a procrastinação por medo de pôr cola no papel tinha sido em vão, porque a cola até era bastante permissiva. O meu medo de me comprometer com um plano cerrado, pregado a supercola 3, inflexível e angustiante, não passou de mais uma armadilha da minha mente. Neste dia, simbolicamente reservado a definir intenções, finalmente pendurei o meu vision board. Ficou de frente para a minha cama para ser a primeira coisa que vejo quando acordo. Para me lembrar que não é necessário ver a estrada toda para dar o primeiro passo, ou como diria alguém mais sábio:
"Suba o primeiro degrau com fé. Não é necessário que veja toda a escada, apenas dê o primeiro passo." - Martin Luther King